Fazer ouvidos de mercador é uma expressão que caiu em desuso na nossa língua, tornou-se algo antiquado, quase um anacronismo. No entanto a prática permanece.
Caso meus leitores mais jovens não saibam fazer ouvido de mercador é se fazer de surdo, não dar importância ao que se fala. Ouvir só o que lhe interessa.
No caso dos mercadores da antiguidade, essa estratégia era uma forma de evitar barganhas excessivas por parte do comprador e, também, uma forma de não se irritar com críticas dos compradores aos produtos vendidos (o desdém é uma forma negociação também até hoje).
O problema é que os mercadores atuais continuam fingindo que não ouvem o que seus clientes querem falar. Afinal de contas, quem são esses caras que acham que sabem o que querem?
Experimente entrar numa loja dizendo que, apesar de ser a moda do momento, você odeia gola olímpica. O vendedor vai rodear, rodear e, quando você menos espera, vai te oferecer a gola olímpica.
Diga para o seu gerente de banco que não quer nem ouvir falar em título de capitalização e, mesmo assim, todo mês um aspone da gerência vai te ligar com uma proposta incrível de...títulos de capitalização (afinal, o que interessa é ele cumprir a meta, não atender o cliente).
É verdade que os poucos que se dão ao trabalho de ouvir o que o cliente quer, fazem negócios melhores e sempre estão acima das suas metas.
O que acaba acontecendo é que, na falta de diálogo com seus fornecedores, os clientes conversam cada vez mais entre si, hoje não faltam meios para isso, e decidem o que, quando e onde comprar.
Principalmente, onde não comprar.
Não que as empresas estejam dispostas a ouvir essa conversação que é pública, pelo contrário, toda vez que eu ouço algum marketeiro dizer que quer usar redes sociais no seu negócio é só para poder falar, nunca para ouvir.
O tempo dos mercadores, quando a procura era maior que a oferta, já se foi. Não escutar os mercados é tão mais fatal para uma empresa quanto mais competitivo ele for.
Sobreviverão as que descobrirem que além de esquecer o significado dessa expressão, também precisam aposentar definitivamente essa prática.
Um comentário:
Há muito tempo tenho uma admiração secreta por vendedores e vendedoras que exerçam suas profissões com toques mágicos.
Um vendedor mesmo tem a capacidade de observar o cliente num relance e SABER o que aquela pessoa precisa ouvir para comprar o que ele ou ela está vendendo.
Só para justificar o que digo quero recordar a história do jovem corretor de seguros que conseguiu agendar uma reunião com um grande executivo que havia enriquecido (e muito) nos seus anos de trabalho.
Quando o jovem corretor foi finalmente introduzido na sala (salão) do executivo demonstrou um terror evidente diante do que estava vendo.
- Quero antes de mais nada pedir minhas desculpas por estar aqui tomando o seu tempo, pois a sua riqueza e o seu poder tornam quase impossível que eu venda o seguro que vim lhe oferecer.
O executivo enfureceu-se e voltou-se para o jovem dizendo que agindo assim ele sempre iria quebrar a cara em tudo o que fizesse.
E na próxima meia hora disse a ele tudo o que havia feito na vida para sair da sua inferioridade - semelhante à do corretor - e chegado onde estava.
Sempre não aceitando um não como resposta e tratando de superar as dificuldades.
O corretor ouvia tudo com a atenção que poderia dar às palavras de Deus se Ele decidisse falar com ele pessoalmente.
Encerrada a lição o corretor já se preparava para sair quando o big boss disse:
- Olha rapaz, eu não quero somente ensinar a você o que fazer. Vou comprar o seu seguro maior como um incentivo para que você sempre lembre deste dia e mude a sua maneira de vender.
- Oh senhos muito obrigado. O senhor está fazendo um grande negócio. Basta assinar aqui.
O grande executivo então o levou até a porta e concluiu:
- Agors, você tem de ter um sistema, um modo de atuar diante de cada cliente. Sem isto você não vai ter sucesso.
Resposta do corretor:
- Pois é, senhor, EU TENHO!
Portanto Fábio eu sempre que falo com um vendedor fico à espera do sistema dele para me vender.
Quando o cara tem isto eu até como doce de côco, coisa que todo mundo sabe que eu detesto.
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