quinta-feira, 26 de junho de 2008

O mercado é soberano


Como a revolução dos consumidores está mudando as coisas no mercado?

Quando criança (e isso faz muito tempo) gostava daquele jogo em que ficávamos enfileirados ao fundo do corredor da garagem e um de nós ficava sozinho à frente. O objetivo era que bem devagarinho progredíssemos para a frente, sem que ele nos pegasse em movimento. Ganhava, não quem fosse mais rápido, mas quem fosse mais sutil!

Uma das falácias do marketing é aquela mania enraizada e antiga, de que tudo pode ser resolvido com uma boa campanha, seja de propaganda, comunicação, ou promoção. Esqueceram de avisar os gringos – neste caso: o mercado.

Houve, sem dúvida alguma, uma época (para alguns o tempo nem é tão remoto assim), em que efetivamente era possível gerar respostas e reações positivas através de um bem engendrado plano de marketing. Bastava colocar as baterias mirando o mercado e ‘bum’: comunicação neles. O resto se consertava enquanto o transatlântico estava em movimento.

Os tempos mudaram, e os consumidores ficaram mais esclarecidos. Eles se dividiram em segmentos nunca antes existentes, criaram nichos e se sofisticaram. E por isso (ou com isso), tornaram todo o processo de encantamento e influência um pouco mais complexo e (naturalmente) mais difícil. E como bônus: muito mais caro.

Assim é que quando percebo algumas provas irrefutáveis de gigantes que se mexem, fico assaz realizado com as discussões que promovemos aqui no Espicaçando (e anteriormente aqui).

A prova em questão é o que varejistas estão fazendo: a começar pelo globalizado Wal Mart, e passando pelo tupiniquim (e não menos gigante em terras brasilis) Pão de Açúcar. Eles estão se mexendo! E por que? Detectaram – em tempo - os movimentos de seus consumidores. São singelas mudanças que passam pelos padrões de consumo e os critérios de escolha. E aí ganha o jogo quem tem boa percepção: a do tipo que vê as mudanças que acontecem bem devagarinho.

As mexidas dos gigantes são do tipo catastróficas – os que estão por perto que se cuidem! Por exemplo: o incentivo de sacolas retornáveis em substituição ao saco plástico. A coisa deve evoluir ainda mais do que os caixas verdes – são pontos dentro do próprio supermercado onde o consumidor descarta as embalagens de alguns produtos, aliviando o peso e já direcionando para o reciclo!

Outro exemplo: o banimento total pelo Wal Mart de lâmpadas incandescentes (não ecologicamente adequadas). Trata-se de uma regra para todas as suas lojas em todos os cantos do mundo! Outro exemplo: o cuidado da procedência de alimentos, seus processos de colheita e captura. Os peixes são a ‘bola da vez’ – pois os critérios também são ainda mais rigorosos para determinadas linhas. E de novo é política mundial no Wal Mart. Um outro desdobramento nessa mesma linha são os acessórios de pesca – que devem ser estocados nas lojas nas estações próprias – atendendo a uma questão de sustentabilidade.

Para efeito de nossa discussão (ou se preferir argumentação) concluímos que se um elo da cadeia de suprimentos está mudando, o restante deve se adaptar rapidamente – e neste caso específico do varejo, trata-se de um elo forte que tem na sua ponta extrema ninguém menos poderoso do que o próprio consumidor. E este representa o mercado soberano.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Sopa de letrinhas

Você já deve ter tomado sopa com macarrão de letrinhas quando era criança. Também deve lembrar que muitas vezes tomou a sopa fria porque ficava brincando com as letrinhas tentando formar palavras e, quando percebia , a sopa estava intragável. Vamos voltar um pouco no tempo e pensar o que o marketing e a sopa de letrinhas tem em comum.

Em 1967 um, então desconhecido, professor de marketing da Northwestern University lançou um livro que se tornou o maior clássico do marketing : a “bíblia” para quase todos os profissionais da área. O livro : Administração de Marketing”, o autor : Philip Kotler. Logo no começo do livro ele definia marketing como sendo “uma orientação para o cliente, tendo como retaguarda o marketing integrado e por objetivo produzir satisfação ao cliente para o atendimento de metas organizacionais ” ( ou seja – lucro) . Alguns anos mais tarde o próprio Kotler, junto com Michael Porter conseguiram sintetizar ainda mais a definição de marketing como sendo “conquistar e manter clientes” – o objetivo final e absoluto de qualquer empresa.

Nesses 34 anos que se passaram desde o lançamento do livro muito pouca coisa mudou nos objetivos das organizações que continuam em busca dos lucros. A forma de atingir esses objetivos também não mudou , a melhor forma de ganhar dinheiro ainda é produzir a satisfação ao cliente – conquistando e mantendo-os. Por outro lado as metodologias que surgiram para atingir esse objetivos pulularam de maneira exponencial : a minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos...quanta diferença ! E como o marketing mudou de cabelos nesses anos .

Para você não ficar mais confuso do que já está , vou me restringir apenas aos estilos de corte e tintura pelos quais passou o marketing direto só nesses últimos 15 anos. Faça um teste e veja se você lembra de todos eles : marketing direto, database marketing, marketing de nichos, clustering, marketing de relacionamento, marketing one-to-one e , no topo da onda do momento marketing de permissão, webmarketing e customer relationship marketing. Eu devo ter esquecido vários. Alguns por terem passado tão rapidamente que não se fixaram na minha memória, outros , eu nunca ouvi falar – deixo a seu critério completar a lista.

Só para refletir um pouco mais, vamos tentar encontrar as diferenças entre essa metodologias – vou usar definições até um pouco simplistas , mas que refletem a essência de cada uma delas :

Marketing Direto: tem como base a oferta de um canal de resposta direta e transações mensuráveis e como objetivo tratar os cliente de forma personalizada, potencializando o relacionamento com os melhores clientes e, consequentemente , o lucro.

Database Marketing (DBM): tendo como ferramenta um banco de dados dos clientes (informações pessoais e de relacionamento comercial com os mesmos), adequar a comunicação e a oferta a cada um deles de forma a fidelizá-los – consequentemente aumentando os negócios e o lucro.

Marketing de relacionamento: identificação do cliente em um banco de dados enriquecido e administração dos relacionamentos de forma a fazer uma persuasão customizada...que aumente os negócios e os lucros.

Marketing one-to-one: administrar o relacionamento com cada cliente como se ele fosse único (para isso é necessário ter as suas informações – banco de dados – e tratá-lo de uma forma personalizada) para encantá-lo e ....aumentar os lucros

Customer relationship marketing (CRM): administrar todos os pontos de relacionamento do cliente com a empresa para poder tratar cada um de forma única ( personalizada) e, com isso, fidelizá-lo e aumentar os lucros.

Eu sei, eu sei....estou me repetindo. O resultado dessa sopa de letrinhas é que os profissionais de marketing estão se afastando cada vez mais da soluções dos problemas mercadológicos apesar de saber manusear cada vez melhor as ferramentas disponíveis para tanto. É o cirurgião que sabe manusear perfeitamente um bisturi a laser – mas não salva nenhum dos seus pacientes.

É claro que eu não advogo o abandono da tecnologia – eu não sou um ludita. Não fosse por ela eu não estaria agora me relacionando com você. Mas se continuarmos a nos encantar mais com as ferramentas do que com os nossos negócios e nossos clientes vamos ficar tentando formar as palavras com as letrinhas da sopa e acabar passando fome ou comendo a sopa fria.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

O livro falou


Outro dia, após o expediente normal de trabalho, estava visitando uma empresa. Não tinha ninguém no departamento de Marketing - e eis que estava eu lá sozinho aguardando para ser atendido. Fazendo-me companhia, o livrão azul do Kotler. E não é que o livro foi logo me cumprimentando. Pelas capas enrugadas e as bordas encardidas, percebi seu desespero por um desabafo. Ele tomou coragem e me deu um alô.

Atônito e tomando o cuidado para que ninguém percebesse que estava a conversar com um livro, fui logo perguntando, mas num tom bem baixinho: “Que queres de mim?”

Foi como se tivesse puxado a alavanca do basculante, e o caminhão de melancia pôs-se a despejar as pesadas redondas sobre mim. Foi reclamação atrás de reclamação! E nessa medida, ficava cada vez mais ruborizado e com receio que alguém me pegasse em flagrante.

Até entendi seus protestos. Concordei inclusive com a grande parte do que considerei justo e procedente. Só não dei pelota pra crise de auto estima pois dentre os muitos alunos que o carregam no dia a dia, há uns pares de rebeldes que cismam em não aprecia-lo no todo. “Não dá para agradar a todos” retruquei.

Tentando não deixa-lo ainda mais melancólico, com jeito apaguei a luz e despedi-me, dizendo-lhe que precisava seguir para a minha reunião.

Enquanto andava por aquele longo corredor, os seus reclamos continuavam ecoando em minha cabeça: que os estudantes preferiam as fórmulas prontas; que davam crédito demais aos professores; que estes sabendo disso abusavam; que nas empresas – como estagiários, eles sempre puxavam uma sacada aprendida e utilizavam-na como panacéia; que faziam suas obrigações sem olhar o todo – permanecendo atrelados a uma só árvore da floresta; que não se preocupavam com resultados e medidas, mas sim com a atividade per se (gastou o latim nessa); que gostavam de criar e planejar, mas nada de carregar pianos ... E olha que isso é uma lista parcial.

Mas o que me pareceu mais forte, e que realmente me derrubou do meu par de 45, é que ele sublimou a literatura como meio de se fazer marketing, em detrimento da aridez (foi assim mesmo que ele se descreveu) e tecnicidade de termos e esquemas didáticos de suas páginas.

No nosso diálogo curto e sempre em voz bem baixa, o que mais me tocou foram suas últimas palavras, já no escuro da sala: “Tem que ter alma de artista ... o marketeiro que não entende de literatura, não sabe contar história, não tem sensibilidade para a música, não aprecia a estética do belo, não tem sensibilidade ... nunca vai ser um bom marketeiro ... por mais que ele me leia e re-leia!!”

terça-feira, 17 de junho de 2008

Nefelibatas esclarecidos

Durante a idade média o monge francês Etiénne de la Boétie escreveu um livro chamado “ Discurso da Servidão Voluntária “ , aonde defendia a tese que o ser humano todas as vezes em que está sem um “ senhor “ acaba por eleger voluntariamente alguém que ocupe esta posição. Cerca de 500 anos depois Freud criava a psicanálise que começava explicar os mecanismos psicológicos que, de outra forma, La Boétie já havia detectado.

Se repararmos nos comentários que ouvimos no nosso dia-a-dia, por mais democratas que muitas pessoas se afirmem ser, elas deixam transparecer seu desejo de ser governadas por aquilo que os gregos denominaram de “déspota esclarecido“, ou seja, o grande senhor que seja, ao mesmo tempo, o ditador com poderes absolutos, mas que governe com sabedoria, imparcialidade e justiça, admirando secreta ou abertamente a idéia. Este estilo de comportamento humano é a maior fonte de resistências quando se fala em organizações matriciais. A pergunta clássica é : afinal quem é o meu chefe ? Mas não é este o tema desta reflexão.

Pensando sobre a situação de determinadas funções dentro das organizações empresariais , começaram a se associar os conceitos de “déspotas esclarecidos“ e dos nefelibatas, ou seja, aquelas pessoas que vivem viajando nas nuvens, muitas vezes pelo espaço sideral, algumas vezes extrapolando os limites de nossa galáxia. Estas pessoas não costumam ser déspotas, mas a figura que surgiu foi a do nefelibata esclarecido , peça fundamental para que as empresas consigam continuamente se atualizar e conquistar espaços num mercado cada dia mais competitivo.

A figura que nos vem a mente simbolizando este personagem é a do escritor francês Jules Verne. Não acreditamos que sua obra, toda ficcional, tivesse alguma pretensão de ser profética. Alguém que, no séc XIX , pensasse na possibilidade de viagens à lua, submarinos atômicos, viagens rápidas ao redor da Terra e longas permanências no espaço aéreo, na melhor das hipóteses seria chamado de nefelibata . O mais comum era chamá-lo de louco. Pelo menos uma dezena de seres humanos esteve na lua, os submarinos atuais percorrem muitas vezes mais as 20.000 léguas de Verne, dar a volta completa na Terra, mesmo em vôos comerciais, demora hoje bem menos de 80 dias e para alguns astronautas russos já passaram mais de ano numa cápsula espacial as 7 semanas em um balão seriam um período de lazer. A única “viagem” de Jules Verne que nunca se realizou foi aquela ao centro da Terra.

A época de Jules Verne foi marcada por uma série de invenções que mudaram o mundo e é neste ponto que entendemos os esclarecimento do escritor - a capacidade de, a partir de fatos reais imaginar até aonde os mesmos poderiam chegar. Sua grande virtude foi a de, tendo a cabeça nas nuvens, manter os pés no chão.

O mundo em que vivemos hoje é muito mais rico em invenções que o do final do século passado. Na verdade, nos assustamos com a capacidade humana de desenvolver , cada vez mais rapidamente , novas tecnologias e novas ferramentas. Quem acha que já sabe de tudo, dê uma olhada depois no Marketing depois de amanhã, do Cavallini.

Para ser nefelibata neste contexto não é nada difícil, pelo contrário, muitas vezes nos vemos passeando além da estrela Andrômeda no meio de nuvens de gases raros. Difícil é trazer os pés de volta para a terra e concluir qual ou quais destas viagens podem ser significativas para a empresa. Quais seriam, então, as preocupações básicas que nos permitiriam sonhar com os pés no chão ?

Em primeiro lugar mantendo o foco no cliente. A pergunta fundamental é: a nova tecnologia é relevante para o consumidor ? Neste ponto não adianta pensarmos em pesquisa de mercado que tente captar a intenção do nosso público, mesmo porque como ele nunca lidou com a nova tecnologia , a sua intenção seria absolutamente hipotética. Para responder esta questão teríamos de medir qual foi o comportamento passado do consumidor quando do lançamento de novas tecnologias. Quantos estiveram no grupo dos inovadores - adquiriram o produto/serviço com inovação tecnológica quando do seu lançamento. Quantos foram os seguidores e quanto tempo depois dos inovadores eles começaram a consumir este produto/serviço . Finalmente qual foi o tamanho do grupo de usuários tardios, aqueles que só começaram a utilizar a nova tecnologia quando não tinham mais outra alternativa.

O segundo passo é analisar profundamente o conteúdo que vai ser inserido na nova tecnologia. É consenso entre os tecnólogos de TV por assinatura, bem como dos cibernautas da Internet, de que não adianta fornecer tecnologia de ponta se, ao mesmo tempo, não houver um grupo de fornecedores de conteúdo interessante para o consumidor. A tecnologia de CD mostra casos variando do sucesso rápido ao fracasso não admitido para conteúdos diferentes. Mesmo essa, já ficou para trás e está quase extinta, mas os conteúdos (música, cinema,dados) continuam na crista da onda, para usar um termo bem "muderninho".

O terceiro passo fundamental para definir-se pelo lançamento de produtos/serviços de alta tecnologia é a estrutura econômico-financeira e cultural da empresa. Estes produtos/serviços demandam capital intensivo com altos investimentos em pesquisa e testes. É necessário ter muita paciência, seja para educar e implantar o hábito de uso junto ao público consumidor, seja para aguardar o pay-back que normalmente é demorado . Ao mesmo tempo a empresa precisa ser flexível e aberta para identificar qualquer alteração no consumo, seja quantitativa (volume de vendas) como qualitativa (modo de utilização).

Outros passos certamente se seguirão a estes e exigirão cuidado e sensibilidade de mercado, de qualquer forma, tendo pelo menos estes alicerces as probabilidades de sucesso serão bem maiores e a cabeça poderá passear tranquilamente pelas nuvens pois os pés estarão solidamente presos ao chão.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Tele furor legiferante


O ano de 1986 é considerado por muitos especialistas como o marco inicial do Telemarketing no Brasil. A aplicação pioneira à época foi para o candidato a governador Orestes Quércia – que ganhou a eleição com mais de 5 milhões de votos. Utilizando o modo ativo e disparando centenas de milhares de contatos com uma mensagem gravada do candidato, essa campanha tornou-se referência mais para a política do que para o marketing.

Decorridos 22 anos e com um mercado totalmente diferente e evoluído, é inegável hoje o poder de fogo do Telemarketing. É sem dúvida alguma palco fácil de abusos, tendo em vista sua eficiência – quando em bons casos, sua eficácia. Realizar contatos ativos e atender clientes no modo receptivo representam hoje a mais importante e significativa atividade de marketing e vendas no país. Em todos os aspectos: pessoas trabalhando, público e clientes servidos, receitas geradas, economia em funcionamento ... Graças entre outras coisas, à grande pulverização do alcance das telecomunicações, tanto para a telefonia fixa como para o celular.

Os principais ‘players’ de Telemarketing procuraram sofisticar a atividade, batizando-a de Call Center e em seguida de Telesserviços. Para a ‘velha-guarda’ – da qual faço parte – algumas coisas podem ter mudado, mas respeitando até mesmo a percepção do mercado, Telemarketing continua sendo Telemarketing.

“Eu vou estar gerundiando” – marca mais do que carimbada nos quase 1 milhão de operadores de telemarketing no Brasil, sofre ligeira mutação nos bastidores. “Vamos estar arrumando” a casa – proclamam Ministérios Públicos, Procons e Secretaria de Direito Econômico com a participação não oficial de empresas do setor. Esta semana o Ministério da Justiça recebeu sugestões de normas a serem criadas para a atividade em todo o Brasil. Em foco três setores ditos nevrálgicos – tanto para o consumidor como para as empresas que representam: Aviação, Bancos e Telefonia.

A exemplo do que acontece no CONAR que é um órgão que auto regula a propaganda, com a criação do PROBARE, procurou-se regulamentar o “setor de relacionamento (Call Center, Contact Center Help Desk / SAC / Telemarketing” - numa iniciativa da ABEMD, ABT e ABRAREC.

Há muito que se debate nos bastidores a necessidade de uma iniciativa mais forte e mais contundente, que a meu ver deveria ter dois alvos: o público interno de decisores - executivos e empresários do setor e de outro o Estado. Sem uma visão sistêmica do setor, um aprofundamento nos meandros da atividade e uma compreensão quase que exaustiva do significado dessa indústria no país – torna-se perigosa a tentação de uma aventura com canetas: “nós estaremos baixando normas e decretando leis”.

Para fazer curto o recado: pode-se jogar fora o bebê, juntamente com a água suja do banho.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Personalizações relevantes

"Outro dia encontrei um mandinho, um guri desses que andam pela rua sem carpim, de bragueta aberta, soltando pandorga. Eu vinha de bici, descendo a lomba pra ir na lancheria comprar umas bergamotas...".

Assim começa um texto muito divertido escrito pelo compositor e cantor Kledir Ramil a respeito da língua brasileira . Fica claro que, se você não é gaúcho ou pelo menos não passou umas boas temporadas no Rio Grande do Sul, você não deve ter entendido pelo menos metade das palavras estranhas que estão nessas duas linhas. Olhando apenas para o estado dos pampas, podemos descobrir uma coleção de palavras que, para nós seriam consideradas língua estrangeira. Por lá, bidê é criado mudo, privada é patente (dizem que os primeiros vasos sanitários vinham com os seguintes termos impressos : patent numero tal). Algumas situações podem ser constrangedoras, a primeira vez a mãe de Ramil foi ao Rio de Janeiro entrou numa padaria e pediu: "Me dá um cacete!!!" (cacete para os gaúchos é pão francês). O padeiro caiu na risada, chamou-a num canto e tentou contornar a situação. Ela ingenuamente emendou: "Mas o senhor não tem pelo menos um cacetinho?".

Quando eu recebo uma mala direta personalizada com o meu nome impresso à laser no começo, 18 vezes no corpo e mais 3 vezes no PS da carta eu fico pensando o que realmente é relevante tratar de forma diferenciada num marketing que se propõe ser um-a-um.

Certamente o nome da pessoa é um ponto importante. Sabe-se que o ícone mais facilmente reconhecível por cada pessoa é o seu próprio nome, que cada um aprende a ver escrito muito antes de ser alfabetizado. Mas não se pode exagerar. Uma carta carrega o conceito de ser uma pessoa conversando com o seu destinatário. Você já imaginou alguém conversando com você e repetindo o seu nome duas ou três vezes a cada parágrafo. Você acharia que a pessoa está louca, mas não pensa o mesmo quando sua agência cria uma carta assim.

O segundo e, provavelmente, aspecto mais importante, é a personalização do assunto. Nenhuma ação de marketing ( de massa, promocional, direto, etc., etc., etc.) tem a menor chance de dar resultados se o assunto não for de interesse do público a quem é dirigido. O marketing de massa pressupõe que parte da mensagem vai impactar pessoas que não estão enquadradas no seu público-alvo, chamam isso de dispersão, mas o marketing direto não pode se dar a esse luxo, o custo de atingimento individual é muito alto para ser jogado fora.

O aspecto final é a questão da linguagem, as pessoas acreditam que podem falar do mesmo jeito com todo mundo usando uma “linguagem média” que serve para qualquer região do país, para qualquer classe sociocultural e para qualquer idade (nem vale a pena comentar as diferenças lingüísticas de cada geração). Imagine só uma empresa de pães congelados querendo vender pão francês no Rio Grande do Sul, ou uma empresa gaúcha fabricantes de “patentes” mandando uma mala direta para os seus distribuidores espalhados pelo Brasil. Claro que, esse tipo de personalização, vai dar mais trabalho para a agência e custar mais caro para o cliente, mas pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma ação.

Eu comecei com o texto do Ramil, vou encerrar também com ele : “Em Porto Alegre, uma empresa tentou lançar um serviço de entrega a domicílio de comida chinesa, o Tele China. Só que um dos significados de china no Rio Grande do Sul é prostituta. Claro que não deu certo. Imagina a confusão, um cara pede uma loira às 2 da manhã e recebe a sugestão de frango xadrez com rolinho primavera. Banana caramelada ! O que é que o cara vai querer com uma banana caramelada no meio da madrugada? Tudo isso é muito engraçado, mas às vezes dá problemas sérios."

quinta-feira, 5 de junho de 2008

THE SOUP NAZI - no Youtube

Um trecho rápido do episódio em questão.

THE SOUP NAZI

Sitcom é a abreviação para comédia situacional – um apelido carinhoso para os seriados desenvolvidos a preencher a grade de programação de tevês abertas. Normalmente são episódios gravados em estúdio, que procuram se viabilizar com orçamento relativamente baixo. Anda-se, porém no fio da navalha, uma vez que a dificuldade para se emplacar com audiência e rentabilidade é altíssima. Nas exceções encontramos Seinfeld como a melhor série de sitcom já produzida para TV.

Jerry Seinfeld e seus colegas até que se assustaram quando os big-shots da rede NBC, separaram um milhão de dollares para apostar “nesses malucos”. Seu estrondoso sucesso – de público e de retorno financeiro, dificilmente será superado. Alcançou índices magistrais de audiência e fez muita gente rica. O próprio Seinfeld ficou trilhardário – a concepção inicial, a liderança do grupo, a manutenção do conceito em si, são méritos do cara.

Os estudiosos do Show Business referem-se à fórmula miraculosa desse fenômeno, à percepção íntima que os escritores e atores tinham da realidade mutante num contexto pós-moderno. Individualismo, sarcasmo e deboche, viver no presente com desprendimento pelos outros (inclusive familiares), uma consciência volúvel e insensível – são algumas das cores que pintavam o quadro deste sitcom a cada episódio. Some-se a isso tudo o ambiente da cidade de Nova York com toda tiração de sarro peculiar - aos e dos judeus locais ... e bum! O maior sucesso televisivo de todos os tempos.

É quase certo que o episódio mais famoso seja o de número 116 – com o título “The Nazi Soup” (A Sopa do Nazista), narra a histórica verosimilhança de um restaurante especializado em sopa que é tão bom, que os clientes fazem fila na calçada – mesmo debaixo de frio, para serem atendidos. O hilário na história é que o chef – apelidado de nazista – trata seus clientes com implacável falta de humor e sensibilidade.

Basta um simples ato de indisciplina, de brincadeira, ou de reclamação, que o chefe suspende sua venda num piscar de olhos: “No soup for you”.

A comédia ganha corpo pois todos – por uma ou outra razão - ficam sem sopa, à exceção de Jerry. Como bom individualista e egoísta, ele se mantem disciplinado para não receber o fulminante veredicto. Até mesmo quando sua namorada é expulsa do restaurante, ele veste a capa da malandragem em frente ao exigente chef.

Namorada: “Vamos Jerry, para outro restaurante ...”
Jerry: “O que? Eu nem te conheço!”

Moral da história

Este é o outro lado da vida como ela é – viu, Sr. Nelson Rodrigues. Muitas vezes nos revestimos de indignação e revolta frente a determinados casos de desrespeito ao consumidor. Fazemos uma análise até correta - quadradinha, lógica, ajeitada, politicamente correta, e em prol das melhores boas intenções. Mas esquecemos de combinar com o namorado – que é pós-moderno, sem consciência, individualista e debochado.

Corremos o risco de recebermos no meio da cara um “Não te conheço!”

terça-feira, 3 de junho de 2008

Cara de palhaço

Cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de palhaço....é assim que começa um antigo samba de Haroldo Barbosa e Luís Reis, que falava da forma que a mulher que ele amava o tratava. De qualquer forma, como estava apaixonado, se era assim que ela o via, assim ele se comportaria, com "cara de palhaço, pinta de palhaço, roupa de palhaço até o fim !"

No mundo do marketing eu tenho ficado cada vez mais convencido de que muitas empresas tem a mesma idéia a respeito dos seus consumidores que essa mulher tinha do seu amante, que todos nós temos cara de palhaço e que achamos graça de tudo, mesmo quando nos tratam desse jeito. Acompanhe comigo algumas situações e veja se você também não se sente um palhaço de quando em quando.

No mês passado reparei em duas campanhas promocionais do tipo self-liquidated, ou seja, aquelas em que te oferecem um brinde pelo qual você tem que pagar uma quantia que cobre os custos do brinde. Na maioria das vezes o valor pago por esse brinde é irrisório, o que passa a impressão de que o consumidor esteja pagando menos do que ele vale (não é verdade), em outras o brinde é exclusivo e objeto de desejo, aí as pessoas mesmo sabendo que estão comprando o brinde tem interesse neles (os mamíferos da Parmalat e os carrinhos da Ferrari se enquadravam nesse categoria).

Mas tem hora que o pessoal abusa. Um dos casos era de uma doceira de São Paulo que oferecia para compras acima de 70 reais, um urso de pelúcia (que pode ser comprado em qualquer lojinha de brinquedos) por apenas 23 reais ! Em outra, uma rede de postos de gasolina, oferecia por apenas 15 reais um boné para quem enchesse o tanque do carro, além de pagar pelo brinde muito mais do que ele custa, as pessoas ainda fariam propaganda de graça para o posto .

Outra situação típica é a que acontece no nosso varejo de roupas. Esse tipo de loja está em permanente liquidação (ou melhor, "sale" , como pintam os anúncios nas vitrines) com descontos de 50, 60 e até 70%. Será que alguém ainda acredita que realmente uma loja sobreviveria com descontos tão grandes ? Claro que não. As pessoas já sabem que descontos desse tipo não existem, o que existe é um preço de fantasia (de palhaço ?) que só serve para dar uma aparência de barganha aos preços reais. Atualmente as liquidações perderam totalmente o crédito que gozavam nos tempos em que o Mappin fazia a sua apenas uma vez por ano, o que é uma pena, pois eram ferramentas promocionais eficientes para baixar estoque, hoje são apenas lugar-comum.

O terceiro exemplo é um plágio publicitário recorrente com variações dos exemplos acima. Alguém, um dia, teve uma idéia que, se não era brilhante, era original. Fez tanto sucesso que deve ser a frase campeã de repetição em campanhas. Chego a fazer uma aposta com você, leitor, se você ouviu menos de 10 vezes essa chamada (ou suas mínimas variações) , eu pago lhe um pirulito de framboesa : "No nosso aniversário quem ganha o presente é você !" . Claro que ninguém que usa essa chamada dá realmente um presente para o consumidor. O presente é um desconto ( seguindo os mesmos moldes da liquidações acima) ou um brinde vinculado à compra que, na maioria dos casos, se enquadra na mesma categoria da promoções self-liquidated.

Lembre-se que os nossos clientes e consumidores não são apaixonados por nós como o autor da música era por aquela mulher. Eles não vão continuar conosco até o fim se continuarmos a tratá-los como palhaços. Se nós, como marketeiros, não aprendermos a respeitar a inteligência dos nosso clientes, nos é que vamos acabar indo até do fim....da empresa ou da carreira.