terça-feira, 17 de junho de 2008

Nefelibatas esclarecidos

Durante a idade média o monge francês Etiénne de la Boétie escreveu um livro chamado “ Discurso da Servidão Voluntária “ , aonde defendia a tese que o ser humano todas as vezes em que está sem um “ senhor “ acaba por eleger voluntariamente alguém que ocupe esta posição. Cerca de 500 anos depois Freud criava a psicanálise que começava explicar os mecanismos psicológicos que, de outra forma, La Boétie já havia detectado.

Se repararmos nos comentários que ouvimos no nosso dia-a-dia, por mais democratas que muitas pessoas se afirmem ser, elas deixam transparecer seu desejo de ser governadas por aquilo que os gregos denominaram de “déspota esclarecido“, ou seja, o grande senhor que seja, ao mesmo tempo, o ditador com poderes absolutos, mas que governe com sabedoria, imparcialidade e justiça, admirando secreta ou abertamente a idéia. Este estilo de comportamento humano é a maior fonte de resistências quando se fala em organizações matriciais. A pergunta clássica é : afinal quem é o meu chefe ? Mas não é este o tema desta reflexão.

Pensando sobre a situação de determinadas funções dentro das organizações empresariais , começaram a se associar os conceitos de “déspotas esclarecidos“ e dos nefelibatas, ou seja, aquelas pessoas que vivem viajando nas nuvens, muitas vezes pelo espaço sideral, algumas vezes extrapolando os limites de nossa galáxia. Estas pessoas não costumam ser déspotas, mas a figura que surgiu foi a do nefelibata esclarecido , peça fundamental para que as empresas consigam continuamente se atualizar e conquistar espaços num mercado cada dia mais competitivo.

A figura que nos vem a mente simbolizando este personagem é a do escritor francês Jules Verne. Não acreditamos que sua obra, toda ficcional, tivesse alguma pretensão de ser profética. Alguém que, no séc XIX , pensasse na possibilidade de viagens à lua, submarinos atômicos, viagens rápidas ao redor da Terra e longas permanências no espaço aéreo, na melhor das hipóteses seria chamado de nefelibata . O mais comum era chamá-lo de louco. Pelo menos uma dezena de seres humanos esteve na lua, os submarinos atuais percorrem muitas vezes mais as 20.000 léguas de Verne, dar a volta completa na Terra, mesmo em vôos comerciais, demora hoje bem menos de 80 dias e para alguns astronautas russos já passaram mais de ano numa cápsula espacial as 7 semanas em um balão seriam um período de lazer. A única “viagem” de Jules Verne que nunca se realizou foi aquela ao centro da Terra.

A época de Jules Verne foi marcada por uma série de invenções que mudaram o mundo e é neste ponto que entendemos os esclarecimento do escritor - a capacidade de, a partir de fatos reais imaginar até aonde os mesmos poderiam chegar. Sua grande virtude foi a de, tendo a cabeça nas nuvens, manter os pés no chão.

O mundo em que vivemos hoje é muito mais rico em invenções que o do final do século passado. Na verdade, nos assustamos com a capacidade humana de desenvolver , cada vez mais rapidamente , novas tecnologias e novas ferramentas. Quem acha que já sabe de tudo, dê uma olhada depois no Marketing depois de amanhã, do Cavallini.

Para ser nefelibata neste contexto não é nada difícil, pelo contrário, muitas vezes nos vemos passeando além da estrela Andrômeda no meio de nuvens de gases raros. Difícil é trazer os pés de volta para a terra e concluir qual ou quais destas viagens podem ser significativas para a empresa. Quais seriam, então, as preocupações básicas que nos permitiriam sonhar com os pés no chão ?

Em primeiro lugar mantendo o foco no cliente. A pergunta fundamental é: a nova tecnologia é relevante para o consumidor ? Neste ponto não adianta pensarmos em pesquisa de mercado que tente captar a intenção do nosso público, mesmo porque como ele nunca lidou com a nova tecnologia , a sua intenção seria absolutamente hipotética. Para responder esta questão teríamos de medir qual foi o comportamento passado do consumidor quando do lançamento de novas tecnologias. Quantos estiveram no grupo dos inovadores - adquiriram o produto/serviço com inovação tecnológica quando do seu lançamento. Quantos foram os seguidores e quanto tempo depois dos inovadores eles começaram a consumir este produto/serviço . Finalmente qual foi o tamanho do grupo de usuários tardios, aqueles que só começaram a utilizar a nova tecnologia quando não tinham mais outra alternativa.

O segundo passo é analisar profundamente o conteúdo que vai ser inserido na nova tecnologia. É consenso entre os tecnólogos de TV por assinatura, bem como dos cibernautas da Internet, de que não adianta fornecer tecnologia de ponta se, ao mesmo tempo, não houver um grupo de fornecedores de conteúdo interessante para o consumidor. A tecnologia de CD mostra casos variando do sucesso rápido ao fracasso não admitido para conteúdos diferentes. Mesmo essa, já ficou para trás e está quase extinta, mas os conteúdos (música, cinema,dados) continuam na crista da onda, para usar um termo bem "muderninho".

O terceiro passo fundamental para definir-se pelo lançamento de produtos/serviços de alta tecnologia é a estrutura econômico-financeira e cultural da empresa. Estes produtos/serviços demandam capital intensivo com altos investimentos em pesquisa e testes. É necessário ter muita paciência, seja para educar e implantar o hábito de uso junto ao público consumidor, seja para aguardar o pay-back que normalmente é demorado . Ao mesmo tempo a empresa precisa ser flexível e aberta para identificar qualquer alteração no consumo, seja quantitativa (volume de vendas) como qualitativa (modo de utilização).

Outros passos certamente se seguirão a estes e exigirão cuidado e sensibilidade de mercado, de qualquer forma, tendo pelo menos estes alicerces as probabilidades de sucesso serão bem maiores e a cabeça poderá passear tranquilamente pelas nuvens pois os pés estarão solidamente presos ao chão.

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