quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Marketeiro sim!


Provavelmente, ao final desse texto, você irá me acusar de corporativismo. E, de certa forma, você estará certo. Não no sentido original do corporativismo como modelo político mas pelo fato de que eu venho aqui defender a minha classe profissional.

Durante as eleições de 1989, os profissionais que cuidavam da comunicação dos candidatos receberam o apelido de marqueteiros.

Marqueteiro (ou marketeiro), segundo os principais dicionários brasileiros (“Aurélio” e “Houaiss”), é “pessoa ou profissional do marketing”.

Infelizmente é quase sempre utilizado pela imprensa para designar especificamente aqueles profissionais que fazem “marketing político”.

Por motivos óbvios, a expressão carrega um viés depreciativo, claramente associado ao “produto” que estão vendendo.

Nosso bom e velho Kotler já definia o Marketing como o conjunto de atividades que envolvem o processo de criação, planejamento e desenvolvimento de produtos ou serviços que satisfaçam as necessidades do consumidor, e de estratégias de comunicação e vendas que superem a concorrência.

É justamente aí que as coisas começam a ficar nebulosas, uma vez que um político não é um sabão em pó que foi criado para atender as necessidades do consumidor.

Ou não?

Pior, na ânsia de conquistar o poder, as estratégias de comunicação e vendas desses “produtos”, não poucas vezes poderiam estar sujeitas ao código de defesa do consumidor ou a recursos no Conar, reclamando da propaganda enganosa.

Eu sou marqueteiro. Muitos dos que me leem também. Tenho certeza que, assim como eu, muitas vezes sentiram vergonha de dizer que são profissionais de marketing – e pensar que, em tempos áureos, essa era uma profissão cheia de glamour!

Não defendo a volta desse glamour, que também era excessivo. Nossa profissão não nos torna seres humanos melhores que os outros. Nem piores.

O que defendo é o resgate da valorização profissional da classe. Inclusive dos marqueteiros políticos – existem bons profissionais trabalhando seriamente com “produtos” em que eles acreditam de verdade.

A quem cabe essa função de resgatar o valor da classe?

De um lado às nossas entidades representativas mas, certamente, muito mais a cada um de nós, mostrando no dia-a-dia que nosso trabalho é importante e, principalmente, honesto.

Marketeiro sim! E com muito orgulho

 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Fora da caixa

Volta e meia sou questionado a respeito de saber pensar fora da caixa ou, se alguma pessoa que eu tenha indicado sabe executar esse processo que muitos crêem como extremamente complexo.
O termo já esteve mais em moda do que atualmente, o que não significa que já tenha saído completamente da linguagem corporativa, tão bem retratada nas tiras cômicas do Dilbert.
Num primeiro momento eu acreditei que a expectativa de quem pedia esse tipo de habilidade era o de receber idéias inovadoras que pudessem mudar a forma de gerir o seu negócio.
Num segundo momento eu comecei a perceber que as mesmas pessoas que demandavam inovação eram, geralmente, as que menos tinham a intenção de inovar e quem realmente queria inovar não ficava esperando as idéias espetaculares caíssem do céu, inovavam de forma continuada a começar das pequenas coisas.
Pode soar maquiavélico, mas somente as pequenas mudanças podem servir de patamar para as grandes. Como mudar o mundo se eu não consigo mexer num processo banal de comunicação interna da empresa? Como revolucionar o mercado se estou apegado aquela característica inútil de um produto que só se mantém para agradar as lembranças do fundador da empresa?
Me lembro de duas histórias sobre o tema que se incorporam ao meu folclore pessoal.
Eu fazia o planejamento de comunicação de uma empresa (em tese uma daquelas em a inovação deveria fazer parte do seu DNA) e, a pedido do gestor de marketing sempre levava três sugestões para uma mesma ação.
Uma sugestão era e mais conservadora, totalmente dentro da caixa e que seguia as regras tradicionais do mercado em que estávamos inseridos. Uma segunda idéia que não era inédita, mas que escapava do lugar-comum do negócio (nunca tinha sido usada por aquela empresa, mas tinha algum histórico de sucesso em outros lugares).
A terceira idéia era sempre incomum, inovadora, ousada. Claro que também era a mais arriscada e, por isso mesmo, sempre a apresentava propondo que fosse realizado um teste antes.
Depois de mais de um ano sem que nenhuma das idéias inéditas tivessem sido usadas, passei a só levar as duas primeiras (poderia até dispensar o segundo tipo que também nunca fora usado) e não demorou muito o gestor da empresa me perguntou por que eu não trazia mais as idéias inovadoras.
Fui bastante sincero. Achava inútil gastar tempo e sinapses com idéias que nunca eram usadas. Ele concordou, mas lamentou, afinal ele achava aquelas idéias muito divertidas.
Em outro cliente, num ramo de atividade de concorrência fortíssima e onde todo o mercado praticava o “mais-do-mesmo” de forma intensa, um dia arrisquei a propor uma ação que, até onde eu soubesse, nunca tinha sido feita por ninguém em nenhum lugar.
Considerando que o cliente era totalmente orientado a custos, eu tomei o cuidado de fazer todo um planejamento de viabilidade econômica da idéia antes de apresentá-la. Claro que não era uma opção de risco zero, por outro lado, uma taxa de resposta bem modesta e abaixo das taxas comuns naquele negócio, já pagaria a ação e, se a novidade fosse bem recebida pelos clientes, poderia gerar um lucro muito acima dos padrões da época.
Ele ouviu tudo com atenção e interesse. Ponderou sobre os números. Concluiu que meus cálculos estavam corretos, e aprovou a ação inédita com uma condição:
“Me traga um exemplo de alguém que já tenha feito isso vamos em frente”.
Pano rápido.
Um dia eu conto a história do cliente que me disse que a minha proposta era inteligente demais para a empresa dele.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O briefing de Nabucodonosor

 
Conta a narrativa bíblica que um dia o rei Nabucodonosor, da Babilônia, acordou e mandou chamar todos os seus magos e encantadores.
Ele tivera um sonho e queria que os magos dissessem para ele qual tinha sido o sonho e qual era a sua interpretação. Perplexos com o pedido, os magos disseram que isso era impossível e lhe pediram que contasse o sonho para que fosse interpretado.
Nabucodonosor, que não era bobo, se recusou a contar o sonho. Sabia que se o contasse os magos inventariam qualquer interpretação. Insistiu na sua demanda, e mais, avisou que se ninguém resolvesse o problema mandava matar todos.
Pânico geral na corte. Até que um dos serviçais se lembrou de um judeu exilado que conhecera na cadeia. Um tal de Daniel. Segundo o serviçal, Daniel conversava diretamente com o seu Deus e fazia prodígios.
Nabuco mandou buscar o sujeito na cadeia. Daniel pediu um prazo para resolver a questão e, dias depois, voltou com a resposta. Contou o sonho (tinha sido aquilo mesmo) e deu a interpretação, que Nabucodonosor não viveu para ver cumprida, mas ficou satisfeito com a resposta e promoveu Daniel a seu braço direito.
Tirando a questão de virar o braço direito, não foram poucas as vezes que me deparei com essa mesma situação na minha atividade de consultor. O cliente sabe que tem um problema, mas não sabe explicar exatamente o que é. E quer que você lhe diga qual é o problema e, claro, a solução para ele.
A experiência mostra que muitos dos problemas empresariais e de marketing, são questões recorrentes de falta de processos, desconhecimento da carteira de cliente e, pasmem, a falta de indicadores de resultados que realmente avaliem os sucessos e fracassos do negócio.
Normalmente, um bom levantamento de informações dentro da empresa e uma série de perguntas estratégicas já servem para mapear onde é que o “bicho está pegando”. Algumas vezes as soluções são simples, em alguns casos, especialmente os que envolvem mudanças de processos e, principalmente, mudanças de cultura, a solução é óbvia, mas de implantação muito complexa.
Pior do que isso, só mesmo quando o gestor que te contratou concorda com tudo aquilo que você mapeou como problemático mas, ao invés de implantar a solução, quer que você resolva seus problemas sem tocar nas feridas existentes, ou que você melhore aquilo que não é o mais relevante para o negócio.
E nem sempre temos o prazo que Nabucodonosor concedeu a Daniel.
Hoje começa uma nova semana, sei que vou continuar encontrando Nabucodonosores pelo meu caminho. Alguns vão me ouvir e agir. Outros vão me ouvir e não fazer nada, ou fazer mais do mesmo.
O que me alivia é que esses reizinhos não tem mais o poder para mandar matar todos os seus consultores.