Na primeira vez que ela o viu ficou encantada. Sua aparência
era ótima e, da forma como ele falava, parecia ter uma coleção de atributos que
a agradavam. Ele também olhou para ela e imaginou que a moça poderia lhe render
um alto retorno amoroso. O problema é que ela estava acompanhada, e não era um
qualquer. Sentiu-se desafiado, precisava conquistá-la. Ousado, esperou uma
distração do outro e pediu que ela lhe desse o seu contato. Ela sorriu e deu o
número do seu celular. Ele começou a maquinar as suas estratégias.
Começou enviando um torpedo agradecendo a gentileza da
informação que ela lhe fornecera. Poucos dias depois mandou outro, perguntando
se podia ligar e em qual horário. Ela demorou uns dias para responder, mas
optou por aceitar a ligação. E ele ligou. Educadamente passou a maior parte da
conversa ouvindo o que ela tinha a dizer.
Ela foi se abrindo aos poucos. Falou das suas esperanças,
das suas necessidades e, num momento de descuido, deixou escapar que não era
totalmente feliz com o namorado.
Foi a deixa que ele esperava. Convidou-a para jantar. Foi
buscá-la em casa, levou-a no restaurante da comida predileta dela. Falou a
noite inteira de coisas que sabia que ela gostaria de ouvir. No caminho de
volta parou para lhe comprar flores. Deixou-a perdidamente apaixonada.
No dia seguinte deu o golpe de misericórdia. Ligou cedo para
saber se ela tinha dormido bem. O suspiro da moça foi ouvido num raio de
quilômetros.
Só precisava agora tirá-la do namorado que, apesar de alguns
defeitos, não era de todo mau. Ele sabia que ela não resistiria a uma boa
proposta e disse que, se ela deixasse o namorado por ela, ele a levaria a
Veneza. A promessa estava no cartão que lhe dera com a caixa de bombons.
No dia seguinte o namorado já era "ex", e ela
entregou a ele todas as fatias do seu coração. O relacionamento prosperou nos
primeiros meses, mas, quando já estavam perto de completar um ano de namoro,
ela quis um upgrade no seu status. Ele vacilou. Alegou que ela precisava ainda
acumular mais experiência antes de uma mudança daquelas. Não que ela não
tivesse crédito para isso, mas ainda era um passo muito arriscado. Ela se
aborreceu, porém entendeu os argumentos do seu amor.
O que ela não entendeu foi vê-lo, dias depois, saindo de um
motel com outra mulher. Não deu vexame, mas ligou para ele. Ele atendeu e,
rapidamente, viu que era problema. Alegou que tinha outra chamada e desligou.
Passou o resto da tarde procrastinando a conversa. Ora não
atendia, ora atendia e pedia que ela esperasse um pouco, deixando-a pendurada
na linha, até cair. Ela cansou da enrolação e foi até a casa dele conversar
pessoalmente. Ele a recebeu na defensiva. Tentou explicar o inexplicável. Ela
disse que era o fim, ia procurar alguém que lhe fosse fiel. Ele argumentou que
fidelidade era um conceito relativo. Ela relativizou uma bofetada na cara dele
e cobrou a viagem a Veneza, como compensação. Apesar da dor ele sorriu
sarcasticamente e perguntou se ela ainda guardava o cartão que recebera com os
bombons. Estava na sua bolsa. Ele pediu para ela ler as letras miúdas do verso
(que ela sempre achara que era só o endereço do fabricante). No texto se lia:
"Veneza só é válida para a comemoração de bodas de ouro. Qualquer
desistência antes desse prazo invalida a oferta".
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