terça-feira, 15 de maio de 2012

Acta es fabula. Um romance mercadológico


Na primeira vez que ela o viu ficou encantada. Sua aparência era ótima e, da forma como ele falava, parecia ter uma coleção de atributos que a agradavam. Ele também olhou para ela e imaginou que a moça poderia lhe render um alto retorno amoroso. O problema é que ela estava acompanhada, e não era um qualquer. Sentiu-se desafiado, precisava conquistá-la. Ousado, esperou uma distração do outro e pediu que ela lhe desse o seu contato. Ela sorriu e deu o número do seu celular. Ele começou a maquinar as suas estratégias.

Começou enviando um torpedo agradecendo a gentileza da informação que ela lhe fornecera. Poucos dias depois mandou outro, perguntando se podia ligar e em qual horário. Ela demorou uns dias para responder, mas optou por aceitar a ligação. E ele ligou. Educadamente passou a maior parte da conversa ouvindo o que ela tinha a dizer.

Ela foi se abrindo aos poucos. Falou das suas esperanças, das suas necessidades e, num momento de descuido, deixou escapar que não era totalmente feliz com o namorado.
Foi a deixa que ele esperava. Convidou-a para jantar. Foi buscá-la em casa, levou-a no restaurante da comida predileta dela. Falou a noite inteira de coisas que sabia que ela gostaria de ouvir. No caminho de volta parou para lhe comprar flores. Deixou-a perdidamente apaixonada.

No dia seguinte deu o golpe de misericórdia. Ligou cedo para saber se ela tinha dormido bem. O suspiro da moça foi ouvido num raio de quilômetros.

Só precisava agora tirá-la do namorado que, apesar de alguns defeitos, não era de todo mau. Ele sabia que ela não resistiria a uma boa proposta e disse que, se ela deixasse o namorado por ela, ele a levaria a Veneza. A promessa estava no cartão que lhe dera com a caixa de bombons.

No dia seguinte o namorado já era "ex", e ela entregou a ele todas as fatias do seu coração. O relacionamento prosperou nos primeiros meses, mas, quando já estavam perto de completar um ano de namoro, ela quis um upgrade no seu status. Ele vacilou. Alegou que ela precisava ainda acumular mais experiência antes de uma mudança daquelas. Não que ela não tivesse crédito para isso, mas ainda era um passo muito arriscado. Ela se aborreceu, porém entendeu os argumentos do seu amor.

O que ela não entendeu foi vê-lo, dias depois, saindo de um motel com outra mulher. Não deu vexame, mas ligou para ele. Ele atendeu e, rapidamente, viu que era problema. Alegou que tinha outra chamada e desligou.

Passou o resto da tarde procrastinando a conversa. Ora não atendia, ora atendia e pedia que ela esperasse um pouco, deixando-a pendurada na linha, até cair. Ela cansou da enrolação e foi até a casa dele conversar pessoalmente. Ele a recebeu na defensiva. Tentou explicar o inexplicável. Ela disse que era o fim, ia procurar alguém que lhe fosse fiel. Ele argumentou que fidelidade era um conceito relativo. Ela relativizou uma bofetada na cara dele e cobrou a viagem a Veneza, como compensação. Apesar da dor ele sorriu sarcasticamente e perguntou se ela ainda guardava o cartão que recebera com os bombons. Estava na sua bolsa. Ele pediu para ela ler as letras miúdas do verso (que ela sempre achara que era só o endereço do fabricante). No texto se lia: "Veneza só é válida para a comemoração de bodas de ouro. Qualquer desistência antes desse prazo invalida a oferta".

Texto publicado originalmente na Revista Marketing Direto da Abemd de Abril/2012

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