terça-feira, 15 de julho de 2008

A Roxane de cada um

Paris, 1640. Cyrano de Bergerac é um talentoso poeta e exímio espadachim, integrante da companhia militar chamada Cadets de Gascogne. Mas ele possui um nariz absurdamente comprido, que lhe dá uma aparência ridícula para acompanhar seus dotes mentais e físicos. Apaixonado pela própria prima, Roxane, ele se acredita demasiadamente feio para merecer o seu amor.

Quando Christian de Neuvillette, um jovem nobre, se junta aos Cadets de Gascogne e também se enamora de Roxane, Cyrano acaba assumindo o papel de protetor do rival, a pedido da prima. Como Christian é, digamos, pouco dado a exercitar os neurônios, sobra para Cyrano escrever suas cartas de amor. Roxane, é claro, apaixona-se pelo homem que escreve aqueles maravilhosos textos, sem suspeitar que é o brilhante primo e não o simplório nobre. Como todo bom folhetim de capa e espada, a mocinha finalmente acaba com o mocinho.

Brasil. Século 21. A cada dia vemos mais empresas querendo fazer marketing de relacionamento com os seus clientes. Querem atraí-los, encantá-los e viverem felizes para sempre. Para isso procuram seduzir cada um dos clientes, ou pelo menos os melhores clientes com os mais lindos versos de amor e de paixão... desde que sejam escritos e pagos por outras pessoas. Acabam se tornando um bando de Christians, entregando suas amadas a Cyrano.

O mais curioso é que, enquanto Cyrano se sujeitava a esse papel por um amor que ele imaginava nunca seria correspondido, as empresas oferecem as suas Roxanes falando maravilhas a respeito delas. São os melhores clientes, públicos extremamente qualificados, uma jóia para quem quiser investir neles. O que me leva a algumas perguntas :

A primeira é sobre uma questão que os patrocinadores desses programas de relacionamento deveriam fazer: se os clientes são tão bons assim , porque é que seus donos não investem neles, mas apenas transformam os seus bancos de dados numa espécie de caça níqueis ? Se são tão valiosos, por que é que eles são entregues assim de mão beijada.

A segunda diz respeito à questão do share-of-wallet (aquela quantidade limitada de dinheiro que cada um nós consegue dedicar a um produto ou empresa) : por que eu vou dar a possibilidade dos meus clientes gastarem dinheiro com outros produtos e serviços, quando esse dinheiro poderia estar gerando receita para a minha empresa através de ações de cross e up sell ?

A última questão diz respeito ao próprio conceito de fidelidade. Se eu acredito que vou transformar o meu cliente em uma pessoa fiel baseado nos privilégios ou recompensas que eu ofereço a ele, por que ele seria fiel a mim, e não a quem efetivamente está lhe dando esses mesmos benefícios ? Ou será que eu acho que meu cliente é tão ingênuo que vai acreditar que quem está escrevendo os poemas sou eu mesmo ?

Empresas podem ter interesse em compartilhar a sua carteira de clientes com outras empresas como uma forma de enriquecer seu banco de dados, de permutar acesso a perfis semelhantes e, até mesmo para, eventualmente, dar aos clientes algo que ela, empresa, não comercialize. Mas, basear o relacionamento com os seus clientes exclusivamente em benefícios oferecidos por terceiros é, gradualmente, entregá-los para o Cyrano de Bergerac que é apaixonado por eles.

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