quarta-feira, 28 de maio de 2008

Com que mexer, com que não mexer - Jayme Serva


"Ah, meu amigo, eu não mexo com isso, não. "

Com essa frase lapidar, o jovem diretor de arte da promissora agência de propaganda interrompeu o colega de profissão à sua frente, que ali estava naquela extenuante romaria em busca de emprego ou de oportunidade, girando a pastinha pelas sofisticadas calçadas das salas de criação. Ele havia, depois de ter mostrado uma sucessão de páginas duplas jamais publicadas, tentado sacar do fundo da pasta um folheto muito bem fornido, com todas as técnicas exigidas pelo bom design gráfico, equilíbrio entre massa de texto e imagem, boa administração da tipografia, condução de leitura perfeita, produção cuidadosa e apurada. Inútil. Seu interlocutor mal conseguiu disfarçar um contração de asco no rosto pálido.

"Volta aí qualquer hora pra gente conversar."

Passaram os anos, a pasta bem rodada tinha conseguido um senhor que a ajudasse, o dono da pasta havia conquistado um espaço em uma grande agência que tinha percebido a necessidade de ter alguém que soubesse fazer aqueles trabalhos esquisitos, folhetos, envelopes com mensagens do lado de fora, uma estranha obsessão pelo tamanho do 0800 no fim dos anúncios. Mas enfim, os clientes pediam, fazer o quê?

Mais alguns anos passaram, e agora o diretor de arte compunha uns emails cheios de detalhes difíceis de lembrar, era o primeiro a propor layouts diferentes para os hot-sites chatíssimos que o atendimento insistia em solicitar.

Um belo dia - ou uma bela noite -, a agência já vazia, um gerente de contas entra no salão da criação com a cara encrispada, três folhas de papel na mão, com o desenho inconfundível dos pedidos de trabalho, seguido pelo não menos assustado rapaz do tráfego. Precisava de um anúncio para o dia seguinte, e ali só estava o rapaz dos jobs esquisitos.

"E se a gente ligar pra alguém?"

Não, não daria tempo. O rapaz dos jobs esquisitos percebeu o que acontecia e se aproximou.

"Posso ver?", pediu, já tomando o briefing das mãos do ansioso gerente de contas. Viu, sentou-se com o redator que havia sobrado ali e, para surpresa dos dois outros, começou a trabalhar. Quatro horas depois, uma campanha chegava impressa e montada às mãos do tráfego e, dali, ao gerente.

No dia seguinte, um dos anúncios havia sido aprovado e já ia para a finalização. A vida foi voltando ao normal, ao longo do dia, e o diretor de coisas esquisitas já foi abordado pelo tráfego para destrinchar um display de chão para um achocolatado que, dizem, era gerenciado, no cliente, por um executivo chatíssimo. Ossos do ofício.

Duas semanas depois, o jovem que o havia entrevistado anos atrás foi contratado pela agência. Já não era tão jovem, e sabe-se lá com que mexia ou não mexia, passado tanto tempo.

No fim do ano, enquanto estava de férias, o diretor de arte soube que o anúncio daquela noite distante havia ganho um prêmio. Na ficha técnica havia pelo menos 8 nomes, o dele entre eles - curiosamente, ao lado do nome do jovem diretor de arte que não mexia com certas coisas.

Este texto é apenas um suporte semi-ficional para uma afirmação que faço há alguns anos: marketing direto não é uma disciplina de comunicação. É uma atitude.

Um comentário:

Anônimo disse...

Por que nao:)